Resenhas

Letrux – Letrux em Noite de Climão

Cantora e compositora carioca estreia solo com disco sensacional

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Ano: 2017
Selo: Joia Moderna
# Faixas: 11
Estilos: Rock Alternativo, Pop Alternativo, Pós-MPB
Duração: 45:12
Nota: 4.0
Produção: Natália Carrera, Arthur Braganti e Letícia Novaes

Letícia Novaes e Lucas Vasconcellos foram companheiros dentro e fora dos palcos e estúdios, atendendo pelo nome de Letuce por um bom tempo. Gravaram discos legais, protagonizaram shows memoráveis e formaram um duo vigoroso na escassa cena Rock do Rio de Janeiro. O tempo veio e foi, levou o casamento e a dupla chegou ao fim. Letrux é, desta forma, Letícia em carreira solo, assessorada por Natália Carrera e Arthur Braganti, e esta é sua estreia repaginada e calejada, a bordo deste fortíssimo Letrux em Noite de Climão. O adjetivo correto é este mesmo, uma vez que o álbum é uma cacetada pós-relacionamento, um exorcismo, uma pajelança noturna e bizarra, com espaço para vários relatos nos quais o pós-amor, a ressaca moral, a tristeza e a inevitabilidade convivem a contragosto num cotidiano que parecia legal e bem resolvido. É um amanhecer turbulento após uma noite em que rolou de quase tudo. O disco é isso.

Reduzir Climão a um mero álbum de dor de cotovelo é ser reducionista e a ideia não é essa por aqui. O que existe pelo disco é uma sucessão de radiografias precisas do que Letícia pode ter pensado/sentido em relação ao fim de seu relacionamento, mas há uma percepção de vida, uma ideia de como levar as coisas, o cotidiano e este é o charme total do álbum. Dona de um humor peculiar e essencial em suas criações, ela dá asas ao que vem pela frente, quase compondo um diário de experiências e convidando o ouvinte a embarcar com ela por estas observações da noite, do corpo, da vida, do sexo, do amor e de como essas instâncias podem mudar/variar em pouco tempo, deixando a gente baratinado e sem saber como agir. Ao mesmo tempo que trata com absoluta e adorável falta de pudor suas letras, Letícia e seus asseclas constroem uma argamassa musical muito competente e tudo se sustenta.

Há momentos de ataque pesado contra ex-namorados/maridos e, sendo bem franco, imagine o quão desconfortável seria ouvir versos como “ninguém perguntou por você, eu vi, te citei mesmo assim”, para mais adiante pegar ainda mais pesado com “a gente só serviu no sonho, a gente só prestou dormindo, amor fantasma camarada”. Com tanta estrada ouvindo canções e muitas delas sobre amor e desamor, poucas vezes vi algo tão forte. O disco, conforme falamos acima, não descuida da parte musical e a faixa – Ninguém Perguntou Por Você – é uma cruza bem feita de Marina Lima com batidas dançantes moderníssimas, cheias de teclados, baixos e um climão (sem trocadilho) que vai muito bem. As canções se entrecruzam e complementam, como a praia chapada de Coisa Banho de Mar, que pode ser a manhã após a doideira, com sexo, experimentações e disposição para levar a vida adiante, fazendo a palavra “sozinha” ter conotações relativas.

Letrux vai além do Rock, felizmente. A ótima Que Estrago, na qual Letícia relata experiências sexuais lésbicas e conta tudo como se todos nós fôssemos seus amigos de muito tempo, é eletrônica, enguitarrada e lembra algo que poderia ser de um Garbage com menos pose. A própria Marina Lima aparece na faixa seguinte, a balançada Puro Disfarce, com bela levada de teclados e efeitos bacanas, mostrando o quanto há de qualidade no disco. Noite Estranha, Geral Sentiu é mais uma dessas jornadas noturnas em busca de algo que não se sabe exatamente o quê, mas que é uma das forças motrizes da existência humana neste nossos tempos. A confusão, o ceticismo, tudo surge por aqui. Além de Cavalos é outro inventário de pós-relacionamento, dessa vez num plano diferente e doloroso, tendo a efemeridade das coisas como referência. Mais eletroniquices permeiam a boa Flerte Revival, naquela base do “quem nunca?” que habita todos nós. A voz de Letícia é canto/falada, sexy e insinuante, mas novamente próxima do ouvinte, trazendo-o para dentro da narrativa, tendo sempre boates, noites, danças com pano de fundo. No fim, a dilacerada 5 Years Old mostra que, além das letras espertíssimas, há uma ótima cantora, cheia de emoção e entrega.

Letrux…, o álbum, é uma cacetada na lata, um tranco na mesmice e tem em sua cumplicidade com o ouvinte o maior trunfo. Financiado pelo público, lançado independentemente, divulgado no peito e na raça, ele é cria da rua, da frustração e uma bela volta por cima delas. Uma porrada.

(Letrux em Noite de Climão em uma música: Ninguém Perguntou Por Você)

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.