Resenhas

Briana Marela – Call It Love

Cantora e compositora dá novo significado ao “som de Seattle”

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Ano: 2017
Selo: Jagjaguwar
# Faixas: 10
Estilos: Pop Alternativo, Experimental
Duração: 41:36
Nota: 3.5
Produção: Ryan Heyner e Juan Pieczanski

Nos anos 1990, a cidade de Seattle entrou no mapa mundi musical como um lugar de gente cabeluda, espinhenta e alternativa. Essa galera se agrupava em bandas que tocavam músicas oscilando entre Punk e Metal e a gente sabe muito bem no que deu. Agora, quase 30 anos depois (tempo voa, né?), a cidade do noroeste americano periga passar por uma cirurgia plástico-sonora total. Saem as guitarras e entram as cordas, os vocais aéreos, o instrumental solene. Se depender da cantora e “soundscaper” Briana Marela, esta mudança de ares será total e acontecerá em pouco tempo. Claro que é exagero do articulista, mas a jovem tem uma proposta diametralmente oposta ao que estamos acostumados a ver em termos de Seattle e música pop. Seu terceiro disco, Call It Love é um delicado e intrincado painel sonoro de texturas e climas, sempre gelados, que ela conduz com maestria.

O fato principal aqui é que a sonoridade de Briana lembra muito Sigur Rós, mais especificamente o trabalho de seu vocalista, Jónsi, que optou por um som mais Pop e alegre. Sua banda notabilizou-se por inventar paisagens sonoras cheias de detalhes e nuances, nas quais poderíamos dizer que havia uma recriação da visão de sua Islândia natal. Quando ouvimos álbuns do grupo, temos a impressão de andar pelo relevo acidentado da ilha, experimentando os ventos gelados que vêm do Polo Norte próximo. Não por acaso, Briana gravou seu segundo álbum em Reikjavik, capital islandesa, com Alex Somers e Amiina, respectivamente produtor e violinista convidada do Sigur Rós, tornando evidente a admiração dela por este tipo de som. Com este novo trabalho, ela conserva o máximo possível dessa influência e agrega algumas informações de Synthpop, com efeitos ótimos. O resultado é uma festa de alienígenas gentis ou um baile de golfinhos numa praia gelada qualquer. As imagens e sons são sobrehumanos, não parecem feitos por gente que encontraríamos na rua normalmente e isso é bem legal. Estamos ouvindo um disco gravado por alienígenas, aliás, uma das impressões que os primeiros trabalhos do próprio Sigur Rós conferiam ao ouvinte.

Briana guarda um grande diferencial em relação aos islandeses: sua voz. Ao contrário de Jónsi, ela tem um agudo natural, feminino, que torna as composições mais gentis e lúdicas, parecendo um pouco com as primeiras gravações de Bjork. O instrumental solene e gelado é temperado pelas batidas Synthpop, levando as canções para passear sob o sol que chega para derreter o gelo, gerando um efeito belíssimo. Um bom exemplo disso é a grudenta Give Me Your Love, que tem uma estrutura de canção Pop básica, mas parece um pequeno transformer gentil em suas nuances. A alquimia entre sonoridades é mais evidente ainda em I’m Sorry, na qual a batida de bumbo conduz a canção, cordas, teclados e a voz angelical de Briana pairam sobre a paisagem, oferecendo paz e alegria. Há um emendo proposital com a faixa seguinte, He Knows, prolongando a sensação de bem estar e ampliando a paisagem musical com pianos que poderiam estar na trilha sonora de um documentário sobre, sei lá, morsas do Ártico, mas que surgem integrados ao todo.

Ao longo das dez faixas, o ouvinte percebe que há pouquíssima alteração na proposta sonora do álbum. Talvez isso canse os menos preparados, uma vez que, mesmo com algumas alterações importantes de uma canção para outra, a impressão é de que pouco muda mesmo entre elas. Sendo assim, dá pra destacar alguns pontos para prestar atenção: as percussões eletrônicas de Quit, a limpeza no gelo do arranjo límpido e totalmente Pop de Feel What I Feel, a programação de bateria deliciosamente datada de Call It Love e o progressivismo de Farthest Shore, novamente uma canção gravada por habitantes de alguma lua de Júpiter em sua viagem de férias no barco de Jacques Cousteau.

Briana Marela é jovem, cheia de ideias e produz uma música capaz de despertar essas visões num articulista felpudo como o que vos escreve. Seu álbum dá alegria e convida a entrar num universo gentil e legal, o que, em tempos como os de hoje, pode ser quase tudo. Ouçam com amor no coração.

*(Call It Love em uma música: Farthest Shore)

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.