Resenhas

milo – who told you to think​?​?​!​!​?​!​?​!​?​!

Quinto disco do rapper discute filosofia, política e cultura Pop com afiadas rimas

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Ano: 2017
Selo: Ruby Yacht/The Order Label
# Faixas: 15
Estilos: Hip-Hop, Sample Based
Duração: 42:15
Nota: 4.5
Produção: Scallops Hotel

Há um extenso debate sobre se é correto considerar letras de músicas como poemas, no qual existe pouco consenso. Especificamente no Hip Hop, conseguimos encontrar mais argumentos para enquadrar estas letras no escopo poético, principalmente pelas rimas e métricas mais explícitas, criando bases extremamente subjetivas que provocam fantásticas análises.

O jovem americano milo demonstrou em sua obra conhecer bem as potencialidades da poesia aplicada ao rap, entretanto, em seu último disco, so the flies don’t come, seu questionamentos e posicionamentos duros alcançaram tamanho nível de abstração que ele começou a tocar as fronteiras da filosofia, abordando temas políticos com uma maturidade questionadora e construindo metáforas auto-explicativas. Agora, em seu quinto disco, somos surpreendidos não apenas com toques filosóficos, mas quase que um tratado de filosofia contemporânea completa.

who told you to think??!!?!?!?! é um trabalho que põe em questão diversos temas sob a ótica de milo. Com referências que vão de Harry Potter até o jogo de Playstation The Elder Scroll V: Skyrim, passando por citações diretas de teóricos como James Baldwin e até mesmo o crítico musical Anthony Fantano, este disco discute as crenças do rapper, ao mesmo tempo que explicita o papel do artista na sociedade. Ele cumpre tanto a função de investigar o seu imaginário individual como ser sua principal arma principal contra a situação político-social dos Estados Unidos.

E, em meio a esta pluralidade temática intensa, milo cria suas teorias filosóficas, tecendo rimas ácidas com propriedade e, dessa vez, assumindo a produção da maioria das faixas. É como se os dois registros anteriores fossem ensaios para que este álbum pudesse ser produzido, com mais certezas nas escolhas das diversas personalidades de cada beat, bem como rimas mais preocupadas em trabalhar recursos poéticos como o humor, sátira e figuras de linguagem.

Poet (Black Bean) introduz o disco com um discurso sobre integridade artística de James Baldwin, o qual é lido simultaneamente pelo autor e por milo, deixando claro sua sincronicidade com as ideias do teórico americano. Os beats quebrados e Lo-fi do passado dão espaço a grooves mais ligados ao Fusion e R&B, evidenciados principalmente em Call + Form (Picture) e Pablum // CELESKINGIII. Já Magician (Suture) confronta diretamente as ideias aristotélicas, quase como se milo estivesse chamando o filosófo grego para uma batalha de Rap argumentativa, na qual ele discorda da divisão dos seres.

Note to Mrs é um rápido interlúdio que lembra algumas batidas que ele compôs sob o nome de Scallop Hotel e que trabalha de forma sutil temas espirituais e sobrenaturais. O single Sorcerer questiona a saciedade do ser emprestando da filosofia alemã o conceito de Weltschmerz, a ideia de que a experiência física jamais suprirá as demandas da mente. Yet Another é a crítica política mais intensa do disco mas, ironicamente, substitui o ataque direto com metáforas poderosas sobre tecnologia dominante e ideologias partidárias. Embroidering Machine traz à tona a questão do silêncio em situações políticas extremas, repetindo sucessivamente o mantra “When the hum became the hymnal, the job of ressurectors is to raise the dead”, como se fosse necessário trazer de volta à vida os mortos para que eles nos ensinem algo.

who told you to think leva a obra de milo a um novo patamar, um que o rapper sempre aspirou e acreditou. Em entrevistas ele revela que o Rap é um instrumento poderoso de filosofia pois, é por meio dele que o indivíduo entra em contato com suas aflições e duvidas existenciais. É justamente isto que o disco nos traz sem precisar recorrer a textos gigantes e cansativos, apenas por meio de rimas ricas e que podem ser indefinidamente analisadas, que sempre trarão novos significados. Um dos discos mais potentes de milo e uma obra obrigatória para aqueles que buscam entender a pluralidade caótica dos dias atuais.

(who told you to think em uma faixa: Embroidering Machine)

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Autor:

Produtor, pesquisador musical e entusiasta de um bom lounge chique