Resenhas

Guided By Voices – How Do You Spell Heaven

Grupo de Robert Pollard entrega disco fluido e bem resolvido

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Ano: 2017
Selo: Guided By Voices
# Faixas: 15
Estilos: Rock Alternativo, Lo-Fi
Duração: 37:20
Nota: 4.0
Produção: Robert Pollard

Assim como a Páscoa, o Natal e outras datas comemorativas anuais, aqui está mais um álbum com a marca Robert Pollard de autoria. Seja solo, projetos paralelos ou a bordo de sua bem amada banda Guided By Voices, Pollard sempre tem algo a dizer, às vezes mais de uma vez por ano. O sujeito lança álbuns com a facilidade de quem abre a geladeira para pegar água. Sua proposta há muito deixou de ter a novidade por objetivo, algo que não parece causar qualquer problema para a apreciação de seus trabalhos por parte de seu público. Pelo contrário, os discos e projetos soam como conversas, reencontros com aquele pessoal que você não vê sempre, mas, periodicamente marca de se encontrar para atualizar a conversa. Amigos de trabalho, amigos de colégio, coisas assim. Essa é a ideia de Robert e não há nada de errado nisso, pelo contrário. De tempos em tempos, ele entrega um discaço, como é o caso deste luminoso How Do You Spell Heaven.

Como dissemos: aqui não está a última moda. O que temos são quinze faixas simples, privilegiando a base guitarras/violão, baixo, bateria e vocais. A influência é o Pop anglo-americano setentista, devidamente reprocessado pela ótica noventista, soando menos complicado e subversivo que então, privilegiando melodia, vocais harmoniosos e belas canções. Na verdade, estas quinze canções erguem uma zona de conforto para ouvintes que sentem saudades de algo que se foi neste caos do cotidiano atual. Talvez seja saudade de ver TV, de falar ao telefone fixo com alguém, bater papo na rua, sabe, coisas num ritmo mais lento. É difícil falar sobre isso para gente que já nasceu em 78 rpm, como de 2000 para cá, porém, creiam, houve um tempo em que havia mais possibilidades de aproveitar coisas simples. De alguma forma não-expressa, a sonoridade obtida por Pollard e seus amigos neste álbum faz isso, resgata o Rock de um presente monótono e decadente para um passado recente de gentileza e saudável alienação do bem. Não é saudade do passado ou desejo que ele retorne, é apenas um intervalo na correria, uma espécie de meditação.

A produção é do próprio Pollard e ele consegue repetir a formação que gravou o trabalho anterior, August By Cake, que traz como maior trunfo o guitarrista Doug Gillard, que mostra-se um baita dum sujeito inspirado e capaz de oferecer pequenos riffs e licks que cativam o ouvinte imediatamente. Sua presença confere um pouco mais desse DNA setentista, meio Hard Rock, que se mistura lindamente à largação sonora que veio 20 anos depois. Tudo por aqui soa um pouco Cheap Trick, o que é bom. Os timbres são excelentes e a gente já dá de cara na primeira faixa com uma belezura do calibre de The Birthday Democrats, com fluência total, entrelaces de guitarras e belos vocais de apoio, um capricho que conquista. O desfile de boas levadas vai pelo disco adentro, trazendo êxitos totais, como em King 007 (que tem quebras de andamento e alternância de climas muito bem feitas), Boy W, que parece tirada de um curso de harmonia.

A sensação de conforto que Pollard e sua banda oferecem é enorme. Ela chega também em pequenos detalhes. O instrumental Pearly Gates Smoke Machine é a faixa mais longa do álbum – cerca de quatro minutos – e deixa o ouvinte à espera da entrada dos vocais, algo que nunca chega. É um espaço de recreação para as guitarras brincarem, pularem corda, irem no trepa-trepa e no pula-pula. Não é exibicionismo, tudo é uma questão de acordes e levada, o que temos de sobra por aqui. A caminho do fim, Robert oferece três pequenas gemas: a climática Low Flying Perfection, que guarda momentos de belezura/lindeza explícita, Nothing Gets You Real, que poderia estar num álbum de Teenage Fanclub (baita elogio) e Just To Show You, numa onda de “brutos também amam”, que é adorável e adequada.

Guided By Voices segue como um espectador do mundo. De quando em quando, surge para nos contar que está vivo e bem, produtivo, lidando com a vida e testemunhando absurdos e belezas, assim como nós e as pessoas que gostamos. Um convite para 37 minutos de sorriso no rosto. Venha.

(How Do You Spell Heaven em uma música: Just To Show You)

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BOM PARA QUEM OUVE: Teenage Fanclub, Sebadoh, Pavement
MARCADORES: Lo-Fi, Rock Alternativo

Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.