Quando um artista põe no mundo um disco de estreia, parece que estamos vendo as suas primeiras ideias e composições surgirem, como se fosse uma espécie de marco zero. Entretanto, tudo o que precedeu este registro em questão é tão (ou mais) importante do que a execução em si, e Mari Romano sabe o preciosismo que sua formação tem no processo de composição de Romance Modelo. A artista carioca caminhou nos últimos anos ao lado de nomes fantásticos da música independente, como o supergrupo Xanaxou e Mãeana, além de produzir e ter contribuído em outros projetos. Porém, não é apenas da música que Mari tira sua inspiração para este primeiro disco solo, suas vivências são a rocha matriz de dez composições que guardam em cada uma um carinho de estima imensurável.
Em um álbum bastante diverso, Mari se arrisca em trazer vários gêneros musicais em uma tentativa de sonorizar as diversas naturezas daquilo que ela já viveu, o que não necessariamente significa que aquilo que é narrado realmente aconteceu. Isto, por sua vez, é um dos atrativos do trabalho pois, em um mesmo universo, a artista reúne fatos, pensamentos, memórias, percepções, narrativas, críticas entre outras manifestações mentais, e nosso papel como ouvinte/apreciador não é julgar o que é real ou não, mas se deixar levar (ou até mesmo se seduzir) com este mundo que ela resolveu compartilhar conosco. Assim, o fato do mesmo registro ter quase dez gêneros diferentes, muitos dos quais se sobrepõem na mesma faixa, advém desta tentativa de ilustrar a heterogeneidade de vivências e a riqueza de cada um desses episódios.
Mari abre as portas de uma parte de seu mundo com Apetite #1, uma faixa que aborda metonimicamente uma forma de encarar o disco: a autofagia da artista, uma espécie de degustação e apreciação de suas memórias. Em seguida, Suquinho de Suor abre espaço para um blues tímido que, ironicamente, nos traz uma potente letra sobre superação amorosa. Apetite #2 traz um caos sonoro como se fosse o momento de explosão interna da sua mente, como se fosse aquele momento a noite que nossa cabeça está a mil. Aprenda Eu percorre pelos limites do samba. Por fim, Ainda De Pijama relata as considerações finais deste processo intenso de revisitar suas memórias e pensamentos, como se ela tivesse acordado de um sono transformador e pensasse sobre todo que ela viu.
Romance Modelo é um daqueles trabalhos que traz percepções diferentes a cada ouvida. Encará-lo de uma vez só é completamente diferente de analisar cada faixa individualmente, mas ambas as formas trazem a mesma matéria prima: o autoconhecimento. Mari Romano traz uma estreia sólida que afirma tudo em que acredita de uma forma definitiva. Um disco para se perder dentro.
(Romance Modelo em uma faixa: Suquinho de Suor)
