Resenhas

Hundred Waters – Communicating

Trio americano solta belo disco de Dream Pop aos moldes de hoje

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Ano: 2017
Selo: OWSLA
# Faixas: 11
Estilos: Rock Alternativo, Dream Pop, Eletrônica
Duração: 47:48
Nota: 3.5
Produção: Hundred Waters

Hundred Waters é mais um trio que pratica o simpático e eficiente Dream Pop do século 21. Despido de tantas guitarras e imerso em timbres gotejantes de pianos e teclados, o grupo tem um grande diferencial em relação aos aspirantes que buscam o epíteto de “novo Beach House”: a pianista, compositora e vocalista Nicole Miglis, dona de uma voz que mistura o que há de melhor entre três vértices da canção Pop feminina nos últimos 30 ou 40 anos: Bjork, Laura Nyro e Fiona Apple. Além dessas influências – ótimas, por sinal – Nicole tem personalidade e jeito para compor melodias sensacionais. Ao lado dela estão o multinstrumentista Trayer Tryon e o percussionista Zach Tetreault, que conseguem pisar fundo nos terrenos tristonhos do estilo e fornecer um instrumental convincente, capaz de dar foco, força e fé às composições de Nicole. Em alguns momentos ao longo deste simpaticíssimo Communicating, essa mistureba alcança altas esferas.

Apesar das sonoridades com apelo contemplativo e gelado, o trio vem da ensolarada Flórida e se conheceu na universidade. O charme de Nicole conduz a musicalidade dos sujeitos que, após algum tempo na estrada, se apresentando em pequenos palcos, chamaram a atenção do selo OWSLA, pertencente a Skrillex, que assinou contrato com o trio, que debuta por ele justamente com este álbum. A impressão é de estarmos diante de um grupo que se inspirou diretamente em Beach House, optando por misturar certa alma polar ártica à sua música, mas nunca abrindo mão de preservar um coração quente e pulsante sob os flocos de neve. A diferença entre o grupo de Victoria Legrand e esses meninos da Flórida é, justamente, o apelo Pop que estes parecem prezar mais. As canções têm duração radiofônica e o approach privilegia a melodia e o canto de Nicole, ao contrário das composições mais experimentais e climáticas do pessoal de Baltimore.

Essa fluência no Pop grudento se manifesta em algumas canções ao longo do disco. A melhor delas, mais acessível e irresistível é Wave To Anchor, que tem um fraseado dançante imerso no approach instrumental do grupo, ou seja, valorizando demais piano e percussão, que se dobram e se esforçam para cobrir toda a extensão necessária para a canção soar inegavelmente aerodinâmica, sacolejante e bacaníssima. A voz de Nicole oscila entre o sexy e o sofrido, equilibrando as influências lá do primeiro parágrafo e parecendo totalmente adaptada à proposta. Em outro extremo musical, mais lenta e sofrida, está a ótima At Home & In My Bed, que investe mais nos timbres eletrônicos e traz registro vocal mais sussurrado e amoroso, com uma melodia serpenteante que vai e vem. Firelight já é totalmente solene e cheia de luxúria instrumental, traduzida especialmente no contraste entre a economia do início e o riff de teclado que conduzirá a melodia até o fim, chegando a parecer algo oriental ou próximo disso.

Nem tudo é bonitinho no mundo de Hundred Waters. O clipe de Fingers, composição bonitinha do álbum, mostra Nicole deitada num chão com piso de madeira, enquanto canta a letra, ela recebe a visita de vários insetos, larvas e coisas rastejantes, que vão passando por cima de seu rosto. Canção sobre fim de relacionamento, com letra falando sobre ser consumido pela tristeza e pela injustiça, algo que, alegoricamente, os insetos das imagens – um pouco perturbadoras para quem tem nojo – mostram com certa dureza.

Com pinta de veterana e à vontade em seu elemento, Hundred Waters chega para cavucar um espaço no coração daqueles que amam e valorizam belas composições e um vocal feminino que pareça pedir licença pra sussurras coisas no ouvido. Nada mal se você ainda levar junto um disco tão coeso quanto é Communicating. Boa surpresa.

(Communication em uma música: Wave To Anchor)

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.