Assim como seus discos, Desgraça é uma banda que tenta captar a fugacidade das sensações fortes. Formado por integrantes de diferentes cenas alternativas da música brasileira, o grupo já mostrou logo de início que escutar um trabalho de sua autoria requer preparo, captando em seu disco de estreia a sensação do caos e complexidade do sistema penal brasileiro e tecendo uma narrativa psicológica sobre uma personagem ladra. Agora, em sua nova empreitada, Desgraça muda sua temática para uma representação menos crítica (embora nas entrelinhas ainda haja certa dose) e mais cotidiana: a madrugada pelas noites urbanas.
Madrugada pode ser relativamente curto, mas nos entrega um soco potente. Dialogando com sensações alcoólicas, é como se este registro pintasse aquele momento em que estamos muito alterados e nos damos conta de que nossas percepções já fogem de nosso controle. Reafirmando sua sonoridade repleta de compressores, distorções e graves explosivos, o grupo constrói este caos interior camada por camada e, mesmo que não seja possível identificar cada elemento do conjunto, sua soma já é capaz de reafirmar este retrato vívido. Mais uma vez, percebemos que a banda consegue utilizar muito bem a desorientação a seu favor, como se Madrugada fosse uma peça de teatro e os integrantes seus respectivos diretores, comandado e coordenando seus barulhos para a melhor imersão possível.
A meia noite anuncia o começo deste delírio em 0H (O Grave), uma espécie de Funk Noise que abusa do grave com o intuito de já criar este impressão de que as coisas já começam a fugir de nosso controle. 1H (Heavy Dancing), concentrada em uma estética mais bate-estaca traz vivida o momento de descontrole durante a dança, em que achamos que estamos arrasando dentro de nossos ridículos movimentos. O baile segue em 2H (O Baile, com intervenções pesada em cima de uma base que ora lembra um MC Marcinho, ora o trio experimental clipping.4H (Kylie La Calle) é o começo do fim, em que já estamos quase destruídos mas ainda insistimos em continuar – com um uso ótimos de texturas Drone e uma batida constante e monótona. Mais concreta, a faixa 5H (A Alvorada) termina a madrugada caindo no sono e sonhando com intervenções pesadas do nosso estado terminal de fim de noite.
Madrugada é mais registro caprichado da banda, cumprindo a missão de nos entregar sentimentos complexos e imersões que nem sempre são agradáveis, mas certamente curiosas. Um rápido registro sobre o interminável e doloroso caos da madrugada.
(Madrugada em uma faixa: 4H (Kylie La Calle)