Resenhas

Jack White – Boarding House Reach

Disco experimental abre mão do ouvinte

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Ano: 2018
Selo: XL
# Faixas: 13
Estilos: Rock Alternativo, Blues Rock
Duração: 44:10
Nota: 2.5
Produção: Jack White

Jack White é uma espécie de não-Dave Grohl: desfruta de um salvo-conduto da imprensa e dos fãs para voltar no tempo e se valer de várias garimpadas em gêneros mortos da música popular – Blues, Classic Rock, Metal – e revestir sua própria arte com ares mais “importantes”. Ao contrário do líder e RP de Foo Fighters, no entanto, White não precisa ser legal ou simpático. Ele é mais um “nerd” esquisito, pouco sociavel e meio misterioso, que surge de algum lugar periodicamente para mostrar o que anda fazendo. Tem estilo, recebe aqueles elogios tipo “nossa, ele toca demais!!” e, sem mais nem menos, volta para o buraco de onde saiu, sem mídia, sem trelelê, sem bafafá, sem mais aquela. Seu último trabalho é este terceiro disco solo, Boarding House Reach, “concebido em casa, num momento de isolamento”, de acordo com o release e gravado em estúdios de última geração situados no sul dos Estados Unidos. Segundo consta, este é um álbum “experimental”, no qual White misturaria ritmos e refletiria sobre a condição humana atual.

Após ouvir as 13 faixas, confirmo: este é um disco com ares experimentais, com algumas canções mais estruturadas e outras que soam como vinhetas pequenas ou maiores. Aqui, White parte de seu habitat natural – gravações com poucos recursos eletrônicos ou de polimento instrumental, feitas para mostrar uma suposta simplicidade não-tecnológica, mas que é obtida por meio de fina tecnologia, para comprovar um ar de pesquisador musical que lhe foi atribuído pelos fãs e pela imprensa especializada. Em seus outros discos, Blunderbuss e Lazaretto, White colocava essa e outras características a favor de uma estrutura de canção minimamente Pop. Aqui ele se permite abrir mão disso e fazer algumas gravações híbridas e com ares improvisados, sempre buscando mostrar ao ouvinte uma espontaneidade artística, uma capacidade de registrar a canção em momentos ainda inacabados, algo que, ao fim de todo um disco, se torna chato e sem sentido.

A rigor, Boarding House Ranch tem três boas canções, que surgem logo quando o álbum começa. A primeira, Connected By Love, é, de fato, um Blues com ares de repetição de refrão bem legal. O arranjo é esquelético, promovendo apenas os instrumentos essenciais, no caso, guitarra, órgão e bateria, dando uma impressão aguda e mal acabada intencional, bem características de White desde os tempos de The White Stripes. A segunda, Why Walk A Dog, também é interessante, apesar da letra pouco inspírada, que mistura teoria da conspiração e questões existencialistas de araque, sobrando novamente o arranjo essencial, com algumas adições de guitarra base em momentos de harmonia. Funciona. A terceira é Corporation, com quase seis minutos de um híbrido Blues com inflexões proto-Funk, que parece uma demo tape de algum artista de Rap em 1980. A estrutura é mais elaborada e a repetição rítmica joga a favor da canção, mostrando que White entende suficiente do assunto.

A partir da quarta canção, Abluia And Akrasia, White parece perder completamente a mão e o equilíbrio entre Pop e Experimentalismo é descartado em favor de uma abordagem que passa a buscar apenas o esquisito, o inesperado, o inacabado/mal acabado, arremessando o ouvinte num universo improvisado deliberadamente. Seria bacana, mas é apenas chato. White passeias por raps inacabados, funks de branco sem qualquer revestimento ou prova de que entende o que está fazendo e, pior, uso ostensivo de vocoders e efeitos de voz, como em Get IOn The Mind shaft, na qual os vocais estragam uma levada semi-Rap que consegue se sobressair em meio ao experimentalismo pouco espontâneo que White coloca como padrão. O disco é cheio desses momentos deliberados e pouco naturais em que o artista quer/precisa mostrar ao ouvinte que está sendo muito radical e sensacional ao misturar elementos estéticos numa empreitada arriscada. Cansa.

No fim das contas, este álbum não arranha o prestígio de White. Ele segue como um nerd estudioso de estilos musicais afro-americanos, com licença para cavar. Quando ele deixar de lado esta aura de arqueólogo de artefatos ainda disponíveis no ambiente, sem que seja necessário cavar, ele será um artista mais tranquilo e eficaz. Por enquanto, ele segue privilegiando forma sobre conteúdo e esse truque pode ser genial para quem está ouvindo música por agora. Pra quem já está há mais tempo por aí, é apenas cansativo.

(Boarding House Ranch em uma música: Connected By Love)

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.