Resenhas

Jay Rock – Redemption

Rapper de Los Angeles entrega sua obra narrativa mais poderosa

Loading

Ano: 2018
Selo: Top Dwag
# Faixas: 13
Estilos: Hip Hop
Duração: 44:00
Nota: 4.0
Produção: Allen Ritter, Boi-1da, Cardo, Crooklin, CT, Cubeatz, D.K. the Punisher, Hit-Boy, Hykeem Carter, Jake One, Mike Will Made It, Pops, Rascal, Sounwave, Teddy Walton, Terrace, Martin, Vinylz

Dentro da Psicologia, a teoria da identidade narrativa postula que indivíduos formam a sua identidade ao integrar experiências de vida em uma história envolvente que provê um senso de unidade e propósito ao narrador. Como qualquer narrativa, ela é repleta de personagens, de situações e de uma temporalidade que explora desde o passado até o futuro. As narrativas de redenção, tão presentes na literatura ao longo dos séculos, exploram a transformação de um personagem, normalmente de um estado negativo a um estado positivo – ela pode ser normalmente caracterizada em sacrifício, crescimento, recuperação ou aprendizado. Em Redemption, terceiro disco de Jay Rock, temos a junção de todas essas características em uma obra consistente que abre espaço para seu retorno aos holofotes.

O rapper é parceiro de longa data de Kendrick Lamar, tendo inclusive participado de um grupo de Rap juntos, Black Hippy, lançado uma mixtape em conjunto em 2007, No Sleep Till NYC, e explodido com a faixa Money Trees do já clássico disco Good Kid, m.a.a.d city, de 2012. Isso explica muitas coisas, como o fato de ambos serem membros do selo Top Dawg, mas também o porquê de seu nome ser tão cultuado no Hip Hop norte-americano da costa Oeste. Em 2015, lançou seu segundo disco, 90059, com uma coleção de boas músicas e boa produção, mostrando que suas rimas e forma teriam espaço para crescimento. No entanto, um grave acidente de moto em 2016 quase colocou tudo a perder para o rapper de Los Angeles. Por isso, Redemption lida com todas essas formas de transformação: desde o aprendizado com a sua quase morte até a recuperação em alto estilo ao fim da obra.

Coeso, algo fundamental dentro de uma narrativa, o disco vai destrinchando o personagem: a grave e pesada The Bloodiest expõe a vida das ruas e a sua única vontade de fazer Rap ao invés de ter um trabalho normal. Conflitos internos são expostos na introspectiva Is it Worh it?, abordando temas como álcool, uso de drogas, violência, dinheiro e a prisão; o que vale ou não vale a pena nessa vida? A excelente trinca seguinte – a balada Knock Off, a descritiva ES Tales, contando a difícil vida dos projetos habitacionais para os negros, normalmente um espaço que só te permite sair em casos de sucesso (Rap, NBA ou tráfico de drogas), e a cinematográfica Rotation 112th – mantém o nível e ajudam a construir um personagem que busca a salvação.

Ela vem também com algumas parcerias certeiras, como a sensual Tap Out, com Jeremih, King’s Dead, com Future (presente na trilha de Pantera Negra e aqui cortada de sua segunda metade), ou Wow Freestyle, com Kendrick Lamar – um dos beats mais certeiros de todo o disco. OSOM, com J.Cole, é o que se esperaria de uma parceria desse calibre: sentimentos misturados, melancolia a flor da pele e um dos momentos mais tristes do disco.

Tudo parece se construir para a espiritual e Gospel Redemption, com SZA, uma das faixas mais emocionantes do disco, descrevendo a sensação de estar à beira da morte em um hospital com visitas amorosas, estranhas e que se aproveitaram da sua situação moribunda. Versos como “I’m sorry mama I want to stay, but I got live”, “Instagram is dead’s man best friend” e o refrão com SZA, “My loyalty is sensitive so please don’t cross it”, colocam a faixa dentre as mais acessíveis e bonitas da obra. Ela descarrega-se até chegar à sua canção da vitória, WIN.

Os estágios de transformação que o disco se propõe a construir e a capacidade lírica das rimas colocam Jay Rock no patamar que se esperaria de um dos nomes de ouro do selo de Kendrick Lamar. No entanto, seus contos parecem tão necessários e diferentes em um Hip Hop repleto de status e histórias antigas sendo contadas. Talvez a sua experiência quase fatal tenha transformado permanentemente Jay, que agora ostenta uma responsabilidade narrativa imensa em sua discografia em construção. Se a Psicologia se faz valer de teorias narrativas para mostrar a construção de um indivíduo, as histórias vindas da periferias mundiais são a prática melancólica do que realmente acontece. E, infelizmente, no caso de histórias de redenção, seja ela nas mais variadas possibilidades, ela só acontece para alguns poucos sobreviventes.

*(Redemption em um música: ES Tales*)

Loading

BOM PARA QUEM OUVE: Sabotage, Kendrick Lamar, Nas
ARTISTA: Jay Rock
MARCADORES: Hip Hop, Ouça

Autor:

Economista musical, viciado em games, filmes, astrofísica e arte em geral.