Resenhas

Poty – Percepção

Disco de estreia de compositor traz sensível recorte de sua percepção sobre o mundo

Loading

Ano: 2018
Selo: Escápula Records
# Faixas: 12
Estilos: Folk, Pós-MPB,
Duração: 38:16
Nota: 3.5
Produção: Poty, Guilherme Ceron e Ian Ramil

Quando se compõe um disco, o artista funciona praticamente como um filtro daquilo que vive. Este processo requer do compositor tanto a criatividade de botar para fora as coisas de forma refinada como de transmitir ao ouvinte a sua percepção das coisas da forma mais precisa possível, tornando assim uma rebuscada e complexa tarefa.

Para o gaúcho Poty, isto fica bastante claro a analisarmos sua trajetória, tocando com bandas da cena do Rio Grande do Sul, como Ian Ramil e Apanhador Só, e seu curto – porém sincero – EP Casa (2013). Agora, o músico tem a complexa missão de reunir seus conteúdos em um disco completo de estreia, um que não ganha seu nome à toa.

Percepção é sobre a visão e os sentimentos de Poty. Sendo assim, ele se comporta como o diretor desta obra, que por sua vez se assemelha muito a uma peça de teatro. Suas influências Folk Rock comportam uma intenção bastante dramática e pesada, como se cada composição fosse um monólogo de tensões e conteúdos diferentes, porém semelhantes em sua natureza. Ou seja, tudo parte do interior de Poty, e este interior é tão forte que acaba se mostrando nos arranjos introspectivos porém pesados.

Entretanto, o compositor também pede de nós nossa percepção, deixando um espaço livre para que nós possamos completar o significado das músicas com um pouco da nossa experiência. Dessa forma, enquanto alguns podem interpretar Percepção como um registro melancólico, outros terão a liberdade de afirmar que, na verdade, se trata de um universo expansivo e instigante. Esta ambivalência em considerar ora a sua percepção, ora a nossa, traz certamente uma dinâmica interessante na audição de Percepção.

Em uma explosão psicodélica dos anos 1960, Sol Menor define o tom do disco, em um misto de tensão e suíngue envolvente. Mais branda, A Dor transmite um calor quente com seu arranjo Folk que é uma montanha russa de emoções, do mas agonizante dor até o êxtase. Homem-Bomba, um dos pontos altos do registro, tem um arranjo contemporâneo de cordas que ora traduz um retrato da realidade contemporânea, ora parece uma pintura distópica (lembrando em alguma medida os tons de Radiohead). Números Primos é um laboratório de experimentos de guitarra e de um descompassado ritmo que nos desorienta ao mesmo tempo que nos instiga. Por fim, Últimos Tempos encerra o disco em uma tranquila balada mas com melodias emocionantes e fechando as cortinas aos poucos.

Percepção é uma peça de estreia interessante que mostra que Poty tem domínio pleno da sua intenção, bem como um diretor de teatro. Usando cada artifício que tem à disposição para conduzir o ouvinte precisamente por onde ele desejar. Um disco de precisão na mensagem passada e de peso nos sentimentos construídos.

(Percepção em uma faixa: Homem-Bomba)

Loading

BOM PARA QUEM OUVE: Moons, Radiohead, Apanhador Só
ARTISTA: Poty
MARCADORES: Folk, Pós-MPB

Autor:

Produtor, pesquisador musical e entusiasta de um bom lounge chique