O site do selo Joyful Noise Recordings tem um pequeno texto sobre Swamp Dogg, que se inicia com a seguinte frase: “Swamp Dogg é um tesouro nacional”. Quem diz isso? O próprio músico. Isso já mostra o tom irreverente que marca a carreira de Jerry Williams Jr, o homem por trás do mito. Com uma carreira que ultrapassa os 50 anos, Swamp/Jerry sempre se caracterizou pela mistura de Soul clássico do sul dos Estados Unidos e uma postura antissistema, que se notabilizou de todos os jeitos: títulos estranhos de canções, capas estranhas de discos, letras malucas e ácidas e toda uma conduta que colocou Swamp na infame lista de inimigos públicos da América, dos tempos do presidente Nixon, o “tricky Dick”. Convenhamos, são credenciais respeitáveis.
Swamp e seu comportamento aleatório nunca rimaram com sucesso comercial. Por isso é provável que você só o conheça agora, que alguns artistas atuais resolveram encampar a figuraça e trazê-la para o presente e uma nova audiência. São eles: Ryan Olson, da banda americana Poliça e Justin Vernon, o próprio Bon Iver, que assumiram a produção e a coordenação criativa de Love Loss & Autotune, o 21º disco da trajetória de Dogg, 76 anos. E como eles participaram? Enfiando um caminhão de efeitos de compressão e filtragem de voz nas nove canções do disco, tornando-o um artefato psicodélico, estranho, maluco e quase sensacional.
Digo “quase” porque cansa, ainda que a duração do álbum seja de cerca de 36 minutos. Na maioria das vezes a abordagem funciona muito bem. Sex With Your Ex é um ótimo exemplo da cruza insana da pena ácida de Dogg com a produção autotúnica de Vernon/Olson, que remete aos primeiros usos de vocoders, beatboxes e outros instrumentos primitivos de alteração de sons e registros. É legal ver o resultado desse tipo de visão em um clássico como Stardust, de Hoagy Carmichael, pertencente ao mitológico cancioneiro do Pop Americano pré-Rock. É bonito, reverente e moderno na medida em que Swamp começa com um arranjo convencional que vai sendo derretido pelos efeitos e truques à medida em que avança.
Os melhores momentos da empreitada estão nos espécimes Funk que surgem. Nenhuma canção supera o balanço de $$$ Huntin’, que parece uma gravação do grupo The Time, que costumava ceder músicos para acompanhar Prince nos anos 1980. É aquele tipo de Eletrofunk do início daquela década, que fez a delícia das carreiras de Bruno Mars e que figurões como Mark Ronson adoram repopularizar por aí, mas que surgiu na barra pesada das cidades americanas na virada dos anos 1970/80 como produto da mistureba de Hip Hop com sonoridades mais tradicionais. O outro lado da moeda, as baladas Soul tradicionais, são subvertidas em gosmas coloridas e de densidade variáveis, verdadeiras gelecas sonoras como I’ll Pretend e a faixa de abertura Answer Me My Love, que guarda muito das referências originais dos estúdios Stax/Volt.
Love Loss & Autotune parece uma espécie de avô de 808 & Hearbreak, disco experimental de Kanye West, com uma distinção fundamental: o que o rapper/produtor oferece em seu trabalho é exercício de estilo enquanto Swamp Dogg parece atacar suas criações com ganas de sobrevivente tentando sobreviver. Acredite, faz diferença. Ouça.
(Love Loss & Autotune em uma música: $$$ Huntin’)