Resenhas

Tyler, The Creator – Wolf

Rapper retorna após dois anos e confirma o hype acerca de sua música e personalidade em um dos prováveis melhores discos de Hip Hop do ano

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Ano: 2013
Selo: Odd Future
# Faixas: 18
Estilos: Hip Hop
Duração: 71:03
Nota: 4.5
Produção: Tyler, The Creator
SoundCloud: /tracks/79418420

Tyler, The Creator é uma daquelas figuras polêmicas que surgem no cenário do Hip Hop de tempos em tempos. Em seu disco anterior, Goblin, por exemplo, letras que abordavam temas como estupro e violência familiar, além de um bizarro vídeo em que o rapper comia uma barata e ainda ameaçava matar o músico Bruno Mars, fizeram o nome de Tyler percorrer o mundo. Mas, antes que você torça o nariz e o prejulgue só pelo seu histórico, Wolf vem pra confirmar que todo o hype a respeito de sua música é verdadeiro e fundamentado, e realiza a obra mais acessível de sua discografia.

Goblin mexeu nas estruturas do Hip Hop ao retomar as raízes de um estilo que havia sido modificado e massificado ao longo dos últimos anos. Saíam as batidas eletrônicas, pensadas para clubes e baladas, e entraram as cruas, duras e marcadas em baixo e baterias sem polimento; Acabaram as letras a respeito do padrão de vida dos rappers – o número de carros que detinham, as cifras de suas contas bancárias e as belas mulheres com quem se relacionavam – para letras retratando o ódio a respeito do abandono familiar, as batalhas na vida e sim, muita polêmica em letras pesadíssimas. O que muitos não compreendem é o fato de Tyler ser um rapper teatral e irônico, representando em suas músicas diversas facetas de sua personalidade.

O disco começa apresentando os personagens desta história na música Wolf: Sam, versão raivosa do rapper, Dr. Tyler the Creator, a voz grave e coadjuvante ao longo de todos os seus discos, que desta vez funciona como um conselheiro, e Wolf, garoto novo que chega ao camping Flog Gnaw. Quase como uma brincadeira do rapper, escutamos Wolf dizer “Do you guys like Jazz?”, indício do que virá no álbum, enquanto Sam é muito “amigável” com o novato e termina a música dizendo “You stay the fuck out of our way and we’ll stay out of yours, capisce?”. Tiros no ar e é Jamba começando, uma das melhores faixas de Hip Hop no ano. Parceria com o ótimo Hodgy Beats, que faz um verso memorável, acompanhado de uma batida concentrada na caixa da bateria e sintetizadores. Ao final, Tyler diz que vai esquecer tudo e ir fumar maconha. Detalhe, o artista é straight edge, ou seja, não bebe e nem fuma nada, e mais uma vez ele ganha os críticos ao ser irônico consigo mesmo.

Podemos dividir o álbum em algumas partes ao longo de suas 18 músicas, não necessariamente na ordem apresentada, mas nos tipos das faixas. Temos o lado mais pesado de Tyler, com as batidas duras e versos agressivos, mas que, mesmo assim, são mais acessíveis do que em outros momentos de sua carreira. Cowboy retrata a vida de uma jovem que escolheu trabalhar ao invés de se drogar como os seus amigos (“And their whole goal is to roll up and smoke bowls”). Afinal, quem está bem de vida agora? Tyler joga tal fato na cara de todos, ele é um cowboy e realiza a sua própria viagem, do seu jeito. Pigs, com orgãos e uma batida feita com sirenes policiais, e Parking Lot, com uma composição rotacional, a batida vem e volta constantemente, e a participação de Mike G, são outros momentos que fazem vibrar a veia mais voltada às raízes do Hip Hop de Tyler.

No entanto, vemos as baladas, na medida do possível, mais acessíveis no disco. Se você por acaso é fã de faixas como Analog de Goblin, vai se deliciar com a ótima Awkard. A música retrata o início da vida amorosa do rapper e tem como figura principal o seu conselheiro Tyler, The Creator. A batida mostra a evolução musical do músico no piano, instrumento praticamente constante ao longo de todo o disco. 48, com o nosso querido Frank Ocean, mais uma vez com ótima linha de piano, é a balada perfeita. Ambos cantam juntos e desmentem quaisquer boatos a respeito de sua relação. Tal parceria se repete na terceira e viciante parte de PartyIsntOverCampfireBimmer, e só temos a lamentar o fato de as outras seções da faixa não agradarem tanto. O Jazz aparece de forma ácida na faixa Treehome95, com a bela voz de Erykah Badu.

E temos a parte que o candidata a um dos melhores discos do ano de Hip Hop. Faixas como o single Domo 23, extremamente agressiva, tem uma das composições mais inspiradas do artista e expande o seu leque de batidas ao utilizar elementos eletrônicos e um tempo mais rápido. IFHY tem a participação de Pharrel e isto já indica uma boa produção, no entanto o que se destaca são as letras pessoais que mostram um Tyler, curiosamente, apaixonado – algo que ele não consegue entender, mas expressa sinceramente: “I never would’ve thought that /Feelings could get thrown in the air /Cause I accidentally caught that”, para depois dizer: “For example, ten minutes can’t go past without you brushing my thoughts/That’s fourteen forty a day so I’ll say a hundred and forty four times /I think about you or something like that”. A produção feita por Pharrel deixa tudo com certo ar cômico e descompromissado, algo compatível com o nome da música que significa, “I Fucking Hate You”, mas, como Tyler diz, “But I Love You”.

Dificilmente você vai conseguir tirar do repeat a faixa Rusty. Participações de dois dos mais poderosos, jovens e talentosos rappers da atualidade, Domo Genesis e Earl Sweatshirt, fazem deste um dos prováveis hinos do ano. Batida consistente que poderia estar em qualquer álbum lançado nos inícios dos anos 1990, é psicodélica e entorpecente na medida certa, ótima pra te acompanhar em uma passeio noturno no carro. Todos os rappers jogam versos como se dependessem dele para sobreviver daqui pra frente. Tyler tem uma linha especialmente interessante: “Sitting on Tumblr, never outside or enjoying the weather/Can name a sweater, but not a talent or don’t know if whether /Or not they got one, tried to change their life for the better”, uma crítica direta aos mais jovens que se fecham em casa, nas redes sociais, ao invés de irem aproveitar a vida. Melhor faixa do disco, de longe, e um clássico instantâneo.

A última pérola é Answer, que começa com uma linha de guitarra jogada e crescente e um acompanhamento de fundo. Parecendo de cara uma balada, a faixa surpreende quando Tyler passa do refrão “Because when I call I hope you pick up your phone /I’d like to talk to you”, para simular um monólogo no telefone com seu pai. O rapper expressa todo o seu ódio por ter sido abandonado, e o fato de sua mãe ter sofrido para criá-lo sozinho. Mas o agradece ao final, pois, se não fosse tanto rancor, ele nunca teria começado a sua carreira: “You Nigerian fuck, now I’m stuck with this shitty facial hair/ Also stuck with a beautiful home with a case stairs”. Pesada em conteúdo lírico, mas amena nas batidas, mostra um Tyler mais maduro, algo que se repete ao longo de todo disco.

Ao final de Wolf vemos que tanta expectativa e hype em torno do artista são justificados. Não só Tyler consegue ser polêmico como o gênero pede, mas criativo e acompanhado de um grupo de jovens talentosos que ele mesmo ajudou a lançar. Frank Ocean, Hodgy Beats, Domo Genenis e Earl Sweatshirt são colaborações e pseudo-criações suas. Se não fosse o seu jeito agressivo de se expressar e demonstrar o que sente e, ao mesmo tempo, abrir espaço para os novos talentos, talvez estes artistas não conseguissem tanto destaque. Mas o disco é fundamentalmente de Tyler, segurando todas as arestas, jogando batidas e versos que nos fazem esquecer o atual estado do gênero. Se no Rock atual o bom é ser Old School, por que não pode acontecer o mesmo com o Hip Hop? Tyler mostra em Wolf que pode buscar raízes passadas e finalmente disponibilizar um trabalho acessível a todos.

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BOM PARA QUEM OUVE: Kendrick Lamar, Frank Ocean, A$AP Rocky
MARCADORES: Hip Hop, Ouça

Autor:

Economista musical, viciado em games, filmes, astrofísica e arte em geral.