Terno Rei – Casa do Mancha, SP

Paulistas dividiram palco com Sky Between Leaves e fizeram uma psicodélica apresentação

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Fotos: Fabio Ayrosa
Nota: 4.0

A noite da última sexta-feira, 6 de março, parecia um desconvite para quem desejava sair. A chuva intermitente que caia em São Paulo não parecia combinar com a ida a um show, mas espertos foram os que sairam de casa para ver os paulistas Terno Rei e os brasileiros irradicados no Reino Unido Sky Between Leaves, donos de atmosferas sonoras opostas e extremamente complementares. Logo, mesmo com água correndo do lado de fora da Casa do Mancha, pudemos ter o claro exemplo de como a cena independente vem criando nomes fortes e distintos com os pés no Brasil e os ouvidos atentos com o que rola no exterior.

Sky Between Leaves, banda convidada pela Balaclava Records, se apresentou pela primeira vez no país em um concerto encurtado devido a problemas técnicos, mas que se mostrou explosivo em sua efemeridade. Os brasileiros fazem um Shoegaze à sua maneira, com claras referências à cena em que vivem no Reino Unido junto de Tripwires, por exemplo. O seu instrumental robusto choca-se com os efeitos lisérgicos proporcionados pelo guitarrista e vocalista Tito que deixa o seu instrumento estéreo devido ao uso de dois amplificadores – combinados aos inúmeros pedais de efeitos e expressão, criaram uma atmosfera que absorveu os presentes, mantendo-os todos ligados ao groove do trio.

Tocando os singles Klein Blues e O.B.E, além de outras faixas inéditas, pudermos ter a certeza em pouco mais de 20 minutos que o seu esperado EP, a ser lançado neste ano, poderá impulsionar o grupo não só no exterior, como no Brasil, principalmente. Em termos de produção e design de som, o trio tem muitos diferenciais instrumentais para mostrar além da interpretação soturna de Tito à la Nick Cave que deixa o pacote sonoro muito mais completo. No entanto, se a abertura era pesada, distorcida e propicía a introspecção, Terno Rei faria a psicodelia caminhar para outro rumo.

Os paulistas também fazem um som único na cena atual: uma mistura de Dreampop com Post-Rock. Podemos sentir referências diversas em seu som e que só poderiam dar certo aos moldes do quintento. Se o primeiro estilo, por exemplo, ganhou notoriedade internacional pelo uso substancial de sintetizadores, Terno Rei mostra-se muito mais orgânico, sonhador, mais calmo e psicoactivo que os demais. O gênero é somente uma referência na superfície, pois a essência é própria e, se você gosta de nomes como Real Estate, Slint, ou Mac DeMarco, saiba que esta nova cena vem surgindo no Brasil a partir deste grupo que tem um som típico para uma praia nublada.

Vigília (2014), seu primeiro disco, foi lembrado em algumas de suas maiores canções – Luz de Bem, Manga Rosa e Esconderijo pareciam mantras entoados pelo público que cantava suas letras na ponta da língua e entrava no groove da banda, dançando sempre a passos curtos e lentos. Alguns elementos ao vivo chamam ainda mais atenção do que em disco, como a percussão que ganha volume e profundidade, deixando de ser textura para se tornar fundamental na apresentação e também a interação entre os guitarristas Greg e Bruno, músicos complementares e imprescindíveis à banda.

Os dois trocam riffs e melodias entre si e são basicamente o que conduz o grupo a criar toda a aura viajante da banda e que, combinadas às letras e o vocal psicodélico de Ale Sater, nos fazem crer que estamos diante de um grupo lisérgico como poucos. Não é o Rock criado em si que é psicodélico, mas a união de elementos inesperados (timbres, percussões e levadas de baixo e bateria) que o fazem ser, no final das contas, um Dreampop à sua maneira. Detalhe para os dois pontos altos de sua apresentação: Neblina e Trem Levar Minhas Pernas, ambas do EP lançado neste ano, já mostram um grupo muito mais maduro, encaixado e com um som extremamente evoluído em relação ao seu disco de estréia. Mostram que as futuras aventuras do quinteto devem ser ainda mais interessantes.

Se a noite parecia um desconvite à saída, o grande público presente saiu priveliegiado e pôde testemunhar dois grandes shows.

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Autor:

Economista musical, viciado em games, filmes, astrofísica e arte em geral.