Rock in Rio 2013: Destaques de 21 de setembro

Veja o que achamos deste dia do festival que contou com bons nomes como Gogol Bordello, John Mayer e Bruce Springsteen

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Fotos: Fernando Schlaepfer e Raul Aragão / Rock In Rio
Nota: 4.5

Dia de calor inclemente na Cidade do Rock, apesar de constar nos anuários de 2013 que hoje é o primeiro dia da primavera. No cardápio da cobertura cirúrgica e simpática do seu Monkeybuzz, quatro shows bem diversos. O rock borat-globalizante de Gogol Bordelo, hoje com a participação de Lenine; o blues pop em transformação country folk de John Mayer e a epifania do rock como salvação do ser humano contra as intempéries da vida cotidiana, proposto pelo Chefe Bruce Springsteen. Além deles, com sutileza e simpatia, Moraes e Pepeu, dois integrantes originais e centrais dos Novos Baianos, formação tradicionalíssima e líder na fusão da MPB com o rock, lá na virada dos anos 60/70.

No palco, a dupla recebe outro novo baiano de primeira hora, Jorge Gomes, além do filho de Moraes, Davi e do percussionista Reppolho, totalmente afeito ao ambiente musical. Com eles, reprentando Baby Consuelo, Roberta Sá. A grande dúvida era se a presença de Roberta que, mesmo sendo a melhor cantora de sua geração, não apresenta carisma e potência vocal que se equipare ao registro e perfomance de Baby, poderia dar conta do recado. Bem, logo após a execução da primeira canção, Mistério do Planeta, do mítico disco Acabou Chorare, de 1972, Roberta mostra que vai ficar na sua, emprestar sua inegável simpatia e voz para lembrar que Baby é melhor. Aliás, o tom de homenagem estampa sua blusa, com uma cara gigantesca da cantora carioca, hoje pastora evangélica.

O repertório traz o melhor da banda, mas também lança luz sobre inestimáveis momentos de Moraes e Pepeu em suas carreiras solo, como Eu Também Quero Beijar, Um Raio Laser, Pombo Correio e Festa do Interior. Mesmo assim, quando a banda – endiabrada – ataca canções dos Baianos como Dê Um Rolê, Preta Pretinha ou Tinindo Trincando é que o bicho realmente pega. O encerramento épico com Brasil Pandeiro nos faz acreditar que esses sujeitos simpáticos fizeram o melhor show nacional do Rock In Rio, mesmo com a voz de Moraes parecendo a do veterano comunicador Chacrinha. Nota: não houve nenhum guitarrista em todos os palcos do festival capaz de igualar a mistura de técnica e feeling que Pepeu Gomes continua exibindo.

Gogol Bordello clama para si o termo “gypsy punk”. A receita é acrescentar doses generosas de música cigana e/ou com origens no Leste Europeu a um Rock rápido, urgente e saltitante. Não é complicado ter simpatia por Eugene Hütz e seus camaradas, uma verdadeira ONU musical que surge no Palco Sunset. Apesar de nascido na Ucrânia, Hütz formou a banda em Nova York no fim do século passado e caiu no gosto de um público fiel. É possível questionar a originalidade da coisa, uma vez que formações como Mano Negra e Pogues já fizeram essa ponte musical há mais tempo, com resultados mais, digamos, interessantes que a rapaziada do Gogol. Mesmo assim e à custa de uma frequente presença em território nacional, a banda tem recepção de gente grande pelo público do Palco Sunset. Nesse vai e vem no Rio, conheceram Lenine e a combinação de ambos é interessante, muito mais pela banda que pelo cantor e compositor pernambucano. Surgem momentos interessantes como a explosiva versão de Pagode Russo mas o show é esquecível. A apresentação solo de Lenine em seguida, visitando seu mais recente disco, Chão, mostrou-se deslocada, podendo soar interessante num contexto diferente.

John Mayer chegou ao Palco Mundo com pinta de campeão. Respaldado por seus dois últimos e bons discos Born And Raised (2012) e Paradise Valley (2013), Mayer, que poderia centrar seu repertório neles, resolveu jogar pras fãs e revisitar a carreira, o que inclui seus momentos de bluesboy urbanóide, com habilidade com a guitarra e as beldades, mas exibindo índices baixíssimos de feeling. Sendo assim, o rapaz abusou de solos e caretas, mandando Not Such Thing, de seu primeiro disco Room For Squares, de 2002, quando seu objetivo era tangenciar a música de Dave Matthews e sua Band. O show evoluiu sem muitas alterações no roteiro, intercalando canções mais recentes como Queen Of California com Daughters ou Your Body Is A Wonderland, pouco alterando a receptividade do público, mais interessado em ver o músico que fazer algum juizo de valor sobre sua apresentação, que foi chata, pretensiosa e lenta demais.

Bruce Springsteen subiu ao Palco Mundo com 20 minutos de atraso disposto a oferecer-se ao público do festival. Quem conhece a carreira do Boss e acompanha seu estilo ao vivo, sabe que o homem não brinca neste departamento. À frente de uma encarnação poderosíssima da E Street Band, com trio de backing vocals, naipe de metais, percussionista, além das presenças de Little Steven Van Zandt, Nils Lofgren (guitarras), Gary Tallent (baixo), Max Weinberg (bateria) e Roy Bittan (piano), todos presentes desde o início da década de 1970, Bruce iniciou os trabalhos com uma comovente homenagem a Raul Seixas, a exemplo do que fizera em São Paulo. O falecido roqueiro baiano jamais recebeu homenagem tão sincera, apesar do festival conter entre suas atrações, um tributo picareta e lamentável, urdido por gente como Detonautas, Zeca Baleiro e congêneres. Após a versão encorpada de Sociedade Alternativa, Bruce engatou Badlands, de seu belo disco Darkness On The Edge Of Town (1978) e ofereceu ao público a chance de caminhar com ele por uma estrada de estilos da música Americana. Country, Gospel, Soul, Rock, tudo está no som da E Street Band, que ainda apresenta pitadas de produção de Phil Spector nos anos 60 (o chamado wall of sound), pianos épicos e arranjos que privilegiam saxofone e a voz do Chefe. Aliás, poucos comentam, mas Bruce é um dos grandes cantores do rock em atividade e, ao longo de cerca de 160 minutos, não economizou suas cordas vocais.

O público percebe que está diante de algo anormalmente intenso quando as tinturas gospel de Spirit In The Night tomam conta do enorme recinto. Após Hungry Heart, um de seus maiores hits radiofônicos (do disco The River, de 1980), Bruce anuncia em português que vai presentear o público com uma apresentação integral de seu disco Born In The USA (1984), seu maior sucesso internacional, inclusive aqui, onde foi confundido com um compêndio de canções patriotas e americanóides, quando, na verdade, trata-se de uma vigorosa porrada na hipocrisia da Era Reagan, um dos responsáveis pelo triunfo da lógica mercantil que feriu de morte um monte de coisas que gostamos, inclusive o próprio rock’n’roll. Vieram, além da marcial faixa título, canções emocionantes como I’m On Fire, I’m Going Down, Glory Days e dois momentos para a memória: Bobby Jean, que é uma das mais belas canções sobre amizade e saudade de si mesmo e Dancing In The Dark, o maior hit pop do Chefão, em cujo clipe ele aparece dançando com Courtney Cox ainda adolescente. Bruce desce até a plateia – algo que ele faz com frequência ao longo do show – e puxa uma galera para o subir ao palco e dançar com ele. As pessoas – quatro meninas e um rapaz – não conseguem conter a felicidade, enquanto Bruce se deixa beijar, fotografar e afofar.

O show continua como se hoje fosse o último dia do planeta e o pungente The Rising (2002) é lembrado pela faixa título e por Waiting On A Sunny Day, na qual, mais uma vez na plateia, Bruce oferece o microfone para um garoto cantar o refrão e emociona pela humildade e felicidade evidentes. Mais momentos emocionantes surgem na visita ao clássico terceiro disco da carreira, Born To Run (1975), em suas três canções mais belas Thunder Road, a faixa título e Tenth Avenue Freeze Out, que narra a formação da E Street Band, mencionando o encontro entre Bruce e Clarence Clemons, o saxofonista grandalhão, falecido em 2009. O sobrinho deste, Jake, ocupa seu lugar com o mesmo vigor do tio e o telão exibe imagens da dupla ao longo do tempo. A emoção continua quando também aparecem takes com o organista e tecladista Dan Federici, morto pelo câncer em 2008. Além das canções autorais, Bruce engata uma versão incendiária de Twist And Shout misturada com La Bamba, que faz o público gastar seus últimos momentos de energia, num bailão imortal. No bis, o Chefe retorna ao palco apenas com violão e gaita para uma versão solene de This Hard Land.

Agora, peço licença ao leitor e aos amigos do site para colocar aqui a minha impressão de fã e espectador de primeira viagem de shows do Chefe. Tenho DVD’s do cara, a discografia completa mas, acredite, seu batismo de fogo em relação a Bruce Springsteen vem após um show. E, chegando em casa na manhã do domingo, escrevi as palavras abaixo em meu perfil do Facebook. Elas não são jornalísticas ou isentas, são totalmente apaixonadas, para as quais peço o devido desconto, uma vez que a parcialidade é enorme.

“Dormi pouco, a excitação ainda é imensa. Tudo o que eu penso a respeito do poder do rock sobre as pessoas, pude ver ontem, in loco, no show do Chefão.

Ele carrega, desde o tempo em que outros carregavam, a bandeira da coisa. Rock é libertação, é desafiar limites, é autoconhecimento, é sobre ser maior que a vida, mesmo que essa sensação dure os três minutos de uma canção ou duas, três horas de show. Ao vivo, numa distância em que se pode fazer o contato visual, Bruce Springsteen é INSUPERÁVEL. Talvez já o fosse, desde os anos 80. Desde os anos 70? Pode ser. Parece que essa gente da E Street Band, velhíssimos ou novíssimos integrantes entregam algo de suas vidas em cada show. NÃO É UMA RELAÇÃO PROFISSIONAL, é algo ESPIRITUAL.

Curioso que um cara nascido no país mais opressor do planeta seja capaz de nos libertar e fazer acreditar em valores REAIS, comofaz Broooce. Ele vai até o limite, leva a gente junto, nos eleva até o palco na hora em que desce dele. O show, todos deveriam saber, NÃO EXISTE SEM PÚBLICO. Enquanto artistas de merda desprezam seus fãs, não tocam hits, adotam atitude blasé, o Boss DEPENDE do público para existir. Aliás, TODO ARTISTA depende. Ele sabe, ele é um homem com um dom, capaz de transformar as pessoas, não é exagero o que digo. Sua banda é arrasadora, não há solos em excesso, a ideia é compor o todo, é se integrar a essa energia avassaladora que este homem catalisa e dispara sobre as pessoas.

Acredito que um show como o de ontem seja capaz de curar, de salvar, de conduzir, de reafirmar a fé de todos em todos. Rock é pra isso. Bruce deixou uma mensagem pra todos ontem, a de que é possível, assim, latu sensu. Tudo é possível depois que a gente se encontra com ele. Agradeço a paciência que todos meus amigos e “amigos” do Facebook e da vida têm com minha visão cada vez mas ortodoxa e ranheta da música pop, a qual acredito ter sido encampada definitivamente pelo poder monetário e peço a todos que ouçam e acompanhem a carreira e os shows do Chefe, sempre que possível. Ele também diz o mesmo, só que de forma muito mais grandiosa, eloquente e coerente, que eu, claro. Sobre o show? Foi transformador, de longe, DE LONGE o melhor show que eu vi em terras brasileiras, superando Stones, Dylan, Macca e todos os outros. E onde foi? Na espontaneidade, na comunhão, na integração e na maravilhosa CONFUSÃO entre quem é artista e quem é público, quando estamos num show do Boss. Rock In Rio, sua razão de existir já foi revelada. Se você tem uma banda de rock, se interessa por algo além da melodia, vá atrás desse sujeito. E, pra você que é “artista” de rock, por favor, ou tente fazer como o Chefe ou simplesmente desista do ofício e vá fazer qualquer outra coisa. Não há mais meio termo depois de um show como esse, o padrão foi elevado demais, realmente, não tem pra ninguém.

Obrigado por ter saúde pra ver o show todo, por ter apresentado o chefe ao meu praticamente filho Gabriel, que foi lá pra frente com cartaz e disposto a tudo pra pular no palco e por tudo isso ter existido, de fato.”

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Autor:

Carioca, rubro-negro, jornalista e historiador. Acha que o mundo acabou no meio da década de 1990 e ninguém notou. Escreve sobre música e cultura pop em geral. É fã de música de verdade, feita por gente de verdade e acredita que as porradas da vida são essenciais para a arte.